quarta-feira, 26 de março de 2008

Dias de espera

Está coberto de razão quem disse que pior que uma desgraça em si é a expectativa da desgraça. Foi o que aconteceu comigo depois daquele dia 21 fatídico. A Fá se controlou e levantou no horário de sempre (6h10) pra ir trabalhar. Estava decidida a não comentar nada no trabalho até ter certeza de alguma coisa.

Já eu... Antes de dormir, na segunda-feira, sentia como se um trator tivesse passado por cima de mim. Perdi as contas de quantos altos e baixos tive na terça-feira, mas pensava que, contanto que os baixos acontecessem longe da Fá e dos meus pais estava bom. Ia dar pra agüentar. Mas foi difícil. Havia momentos de agonia silenciosa em que o dia-a-dia parecia perder o sentido. Alternei momentos de confiança com outros de quase-desespero, tristeza e uma certa revolta com Deus. Não pelo câncer em si, mas eu perguntava a Ele por quê ela e não eu. Dentro de mim eu dizia: "Senhor, você não está agindo de modo lógico! Eu sou um ano mais velha e tenho mais peito. Por que, então, isso foi acontecer com a Fabíola?" As coisas que pensamos de Deus são quase impublicáveis de tão cômicas e tão íntimas. Revelam aquilo que não queremos ver em nós mesmos.

No final da tarde fui à missa às 17h00 e me forcei a ir à aula de natação. Entre uma e outra mandei um torpedo pro Alex pedindo que orasse por mim, pois eu me sentia prostrada, sem energia pra nada. Ele me respondeu perguntando se eu queria que ele passasse em casa. Na verdade eu não queria. Não queria ver ninguém, falar com ninguém. Estava exausta, queria dormir por dias se fosse possível. Mas o Alex apareceu em casa depois da aula de natação. Minha mãe já tinha vindo de Atibaia pra cá pra dar uma força pra Fá.

Sábio Alex, como sempre. Depois de tudo o que eu disse pra ele sobre como me sentia ele se lembrou de me apontar o óbvio: "É, Cris, tá muito recente ainda. Você não teve tempo de organizar essas coisas dentro de você e é normal que seja assim." É verdade: fazia apenas 24 horas que eu sabia da notícia.

Assim mesmo acho que esse dia foi o auge do meu desespero. Comecei a ler uma reportagem sobre câncer da revista Época que havia ajudado muito o Alim. Lá falavam de uma quimioterapia muito promissora para pacientes de câncer de mama... com nódulo de até 1 centímetro. O da Fabíola tinha dois. Aquilo me parecia um Corcovado, não um nódulo. Liguei pro Rodrigo pra perguntar quanto media o nódulo que tinha sido retirado da mãe dele. Ele disse que era um centímetro e pouco. "E o da Fabíola, que tamanho tem?" ele perguntou. Não tive coragem de falar. Enunciar as palavras "dois centímetros" parecia sentenciá-la à morte. Eu só chorava e pedia oração a ele. Ele passou o telefone para a mãe. "Não fica assim, fia," disse ela. "Não sofre antes do tempo!" Se qualquer outra pessoa tivesse me dito isso acho que não teria surtido efeito. Mas ela... Depois do que ela tinha passado essas palavras soavam vindas "de quem tem autoridade", pra citar os Evangelhos.

Só consegui dormir graças a um comprimido. Já o Alim passou a ter pesadelos diários a partir desse dia. Enquanto o câncer estava com ele, tudo bem. Na Fá já era motivo de sofrimento pra ele. Eis alguém que entendeu bem minha vontade de sofrer no lugar dela.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Cris
Só passei pra dizer que estou com a Fabíola nos meus melhores pensamentos, mandando o que posso de bom para a superação da quimio.
Me avise quando ela estiver com disposição para receber visita que eu dou uma passada para vê-la novamente, ok?